Com o preço do bitcoin atingindo novas máximas em 2017, o cenário otimista para o ativo pode parecer tão óbvio para os investidores a ponto de sequer precisarmos falar sobre isso. Por outro lado, pode parecer insensato investir em um ativo digital que não é lastreado por nenhuma commodity ou governo e cujo preço elevado levou algumas pessoas a compará-lo à mania das tulipas ou à bolha das dot-com. Nenhuma das duas premissas é verdadeira. O cenário otimista para o Bitcoin é convincente mas está longe da obviedade. Existem riscos significativos ao investir em Bitcoin, mas, como irei argumentar, também existe uma oportunidade imensa.
Gênese
Nunca na história mundial havia sido possível transferir valor entre pessoas distantes sem precisarmos contar com um intermediário de confiança, como um banco ou governo. Em 2008, Satoshi Nakamoto, cuja identidade segue desconhecida, publicou em 9 páginas uma solução para um problema de ciência da computação conhecido como o Problema Geral Bizantino que persistia há muito tempo. A solução de Nakamoto e o sistema que ele construiu a partir disso — o Bitcoin — permitiu, pela primeira vez na história, que valores fossem transferidos de maneira rápida, a longa distância, sem que fosse necessário confiar em alguém. As consequências da criação do Bitcoin são tão profundas tanto para a economia como para ciência da computação que Nakamoto deveria certamente ser a primeira pessoa a ser indicada tanto para o prêmio Nobel de Economia quanto para o prêmio Turing.
Para um investidor, o fato saliente sobre a invenção do Bitcoin é a criação de um novo bem digital escasso, ou seja, os bitcoins: tokens digitais transferíveis que são criados na rede do Bitcoin em um processo conhecido como “mineração”. A mineração de Bitcoin é mais ou menos análoga à mineração de ouro, com exceção de que a produção de Bitcoin segue um cronograma determinado e previsível. Por definição, somente 21 milhões de bitcoins serão minerados e a maioria destes já foram criados — aproximadamente 16,8 milhões estão em circulação no momento que escrevo este artigo. A cada quatro anos, o número de novos bitcoins produzidos é reduzido pela metade e a produção completa de novos bitcoins será finalizada completamente até o ano de 2140.
Os Bitcoins não são lastreados por nenhuma commodity física, tampouco são garantidos por qualquer governo ou empresa, o que faz os novos investidores se perguntarem: por que eles têm algum valor?
Diferente das ações da bolsa, títulos, imóveis ou até mesmo commodities, como o petróleo e o trigo, os bitcoins não podem ser valorados usando o padrão de análise de fluxo de caixa descontado ou pela demanda de uso na produção de bens de ordem superior. Bitcoins são uma categoria totalmente diferente de bens, são conhecidos como bens monetários, e seu valor é definido de acordo com a teoria dos jogos. Por exemplo, cada participante de mercado avalia o bem baseado em sua própria avaliação de se e por quanto outros participantes irão avaliar aquilo. Para entender a natureza da teoria dos jogos de bens monetários, nós precisamos explorar as origens do dinheiro.
As origens do dinheiro
Nas sociedades humanas primitivas, o comércio entre os grupos de pessoas ocorria por meio do escambo. As incríveis ineficiências inerentes ao escambo drasticamente limitaram o escopo geográfico e de escala no qual os negócios poderiam ocorrer. Uma grande desvantagem com o negócio baseado em escambo é o problema da dupla coincidência de desejos. Um produtor de maçãs pode querer negociar com um pescador, por exemplo, mas se o pescador não quiser maçãs no mesmo momento, o negócio não será concretizado. Ao longo do tempo, os humanos evoluíram um desejo de possuir itens colecionáveis devido à raridade e valor simbólico (exemplos incluem conchas, dentes de animais e pedras, como o sílex). Realmente, como Nick Szabo argumenta em seu brilhante Ensaio Sobre as Origens do Dinheiro, o desejo humano por itens colecionáveis ofereceu uma vantagem evolucionária distinta para os humanos primitivos em relação ao seu competidor biológico mais próximo, o homo neanderthalis.
A principal e definitiva função evolucionária dos colecionáveis foi como um meio de reserva e transferência de valor
Colecionáveis serviram como uma espécie de “proto-dinheiro”, tornando possível o comércio entre tribos, que em outras circunstâncias seriam antagônicas, e permitindo que a riqueza fosse transferida entre as gerações. O comércio e a transferência de colecionáveis eram bastante infrequentes nas sociedades paleolíticas e esses bens serviam mais como uma “reserva de valor” ao invés de possuir a função de “meio de troca”, cuja premissa reconhecemos amplamente na forma do dinheiro moderno. Szabo explica:
Comparado ao dinheiro moderno, o dinheiro primitivo tinha uma velocidade muito baixa — ele podia ser transferido apenas um punhado de vezes na vida média de um indivíduo. No entanto, um colecionável durável, o que hoje chamaríamos de herança, poderia persistir por muitas gerações e acrescentava valor substancial em cada transferência — muitas vezes tornando possível a transferência.
O homem primitivo enfrentou um importante dilema da teoria dos jogos ao decidir quais colecionáveis ele deveria coletar ou criar. Quais objetos seriam desejados por outros humanos? Ao prever corretamente quais objetos poderiam ser demandados por seu valor colecionável, um enorme benefício foi conferido ao possuidor daquele bem em sua capacidade de realizar comércio e acumular riqueza. Algumas tribos nativas americanas, como as Narragansetts, se especializaram na fabricação de itens colecionáveis que seriam inúteis não fosse o seu valor para a efetivação de negócios comerciais. Vale ressaltar que quão mais recente for a previsão de demanda futura por um item colecionável, maior será a vantagem conferida ao possuidor daquele item. Ele pode ser adquirido de forma mais barata do que quando é amplamente demandado e seu valor comercial se valoriza à medida que a população que o exige se expande.
Além disso, adquirir um bem na esperança de que seja exigido como uma reserva futura de valor apressa sua adoção para esse propósito específico. Esta aparente circularidade compreende na verdade uma retroalimentação que leva as sociedades a convergir rapidamente para uma única reserva de valor. Nos termos da teoria dos jogos, isso é conhecimento como o “Equilíbrio de Nash”. Alcançar o Equilíbrio de Nash para uma reserva de valor é uma grande vantagem para qualquer sociedade, pois facilita o comércio e a divisão do trabalho, preparando o caminho para o advento da civilização.
Ao longo dos milênios, as sociedades humanas cresceram, as rotas de comércio se desenvolveram e as formas de reserva de valor que emergiram em sociedades específicas acabaram competindo entre si. Os comerciantes se deparavam com a escolha entre poupar a receita da sua transação comercial no instrumento de reserva de valor da sua própria sociedade, na forma de reserva de valor na qual eles estavam negociando ou encontrar um balanço entre as duas e manter saldo em ambas. O benefício de manter economias em uma divisa estrangeira compreendia a capacidade aprimorada de fechar um negócio junto à sociedade estrangeira associada. Os comerciantes detentores de poupanças em uma forma de reserva de valor estrangeira também tinham um incentivo para incentivar sua adoção dentro de sua própria sociedade, pois isso aumentaria o poder de compra de suas economias.
Os benefícios de uma reserva de valor importada acumulavam não só para os comerciantes fazendo a importação, mas também para as próprias sociedades. Duas sociedades que convergem em uma única forma de reserva de valor veriam uma diminuição substancial no custo de completar o comércio entre si e um aumento concomitante dos negócios baseados em transferência de riqueza. De fato, o século XIX foi a primeira vez que a maior parte do mundo convergiu para uma única forma de reserva de valor — o ouro — e esse período viu a maior explosão de comércio na história do mundo. Sobre este pacífico período, Lord Keynes escreveu:
Que episódio extraordinário no progresso econômico do homem foi aquela era… para qualquer homem de capacidade ou de caráter que excedesse a média, para as classes média e alta, para quem a vida ofereceu, a baixo custo e com o menor problema, as conveniências , confortos e comodidades além da base dos monarcas mais ricos e poderosos de outras idades. O habitante de Londres poderia encomendar por telefone, tomando seu chá da manhã na cama, os vários produtos de toda a terra, na quantidade que julgasse conveniente, e razoavelmente esperava sua entrega em breve na sua porta
Parte 2…
Na parte 2 desta série de artigos, falarei sobre os atributos necessários para se ter uma boa forma de reserva de valor e como o Bitcoin se compara com outros bens monetários, como o ouro e moedas fiduciárias.
Disclaimer
Este artigo foi escrito por Vijay Boyapati e traduzido com a autorização do autor. O link original pode ser encontrado aqui.
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