Respeitável público, é com muita alegria que comunicamos o surgimento da 44ª (ou seria 45ª? Já perdi as contas!) exchange de Bitcoin no Brasil, que tem como proposta atender a um público seleto do mercado: os especuladores.

O nome da empresa é XDEX e por trás dela está ninguém menos que a XP Investimentos, a maior corretora do país. A grande novidade da plataforma é que você não pode, de jeito nenhum, usar o Bitcoin.

Você deve estar se perguntando: “como assim? Eu compro o Bitcoin e não posso fazer nada com ele?”. Exatamente.

Como explicita por quatro vezes os termos e condições de uso e serviços da XDEX, em negrito e sublinhado para que não reste dúvidas, não são permitidos depósitos, resgates e/ou transferências de ativos digitais para outras carteiras (wallets).

Por isso, primeiramente, acredito que seja mais coerente pararmos de chamar a XDEX de exchange de Bitcoin. Não sei exatamente como deveríamos classificar esta iniciativa, mas talvez algo entre site de apostas com Bitcoin e casino seja o mais apropriado.

De qualquer forma, não posso negar que a XDEX parece ter acertado em cheio a escolha do público-alvo. É fato que existe no mercado nacional e internacional um grupo ávido de pessoas que deseja ter exposição à volatilidade do Bitcoin, mas que não quer lidar com as questões intrínsecas da tecnologia, como a custódia do ativo, por exemplo.

O que me deixou bastante confuso, entretanto, é que o documento contendo os termos e condições citado acima diz que o usuário da plataforma poderá “comprar, vender e armazenar Ativos Digitais” (sublinhado por mim). Mais adiante, o documento diz que a XDEX poderá “suspender, restringir ou encerrar o acesso do Usuário” em caso de “tentativa de double-spending, isto é, de utilizar a mesma Criptomoeda em duas transações distintas”. Não bastasse isso, a XDEX também se exime de responsabilidade em caso de “perdas que decorram do manuseio do Bitcoin na carteira virtual/e-wallet do cliente”.

Será que tudo isso significa que o usuário da XDEX, apesar de não poder depositar e resgatar ativos digitais, terá que lidar com o risco de armazenamento do ativo dentro da própria plataforma da empresa? Isso parece um pouco bizarro. Estou realmente confuso.

Em entrevista ao Portal do Bitcoin, a CEO da XDEX, Celina Ma, quando questionada se a carteira fria (cold wallet) de armazenamento de Bitcoin da empresa será pública, disse que “nesse momento, não”. Segundo ela, os ativos da XDEX ficarão “em cold wallets como também multiassinaturas e tudo mais por uma questão de segurança. Não mostramos para o mercado”.

Pelo que entendi, então, o usuário terá que confiar cegamente que a empresa possui de fato os ativos digitais em carteira. Apesar que, se pensarmos bem, que diferença faz ter ou não esses ativos, já que os usuários não poderão sacá-los? Se eles existirem realmente ou se forem simplesmente números na tela, não sei se fará muita diferença.

Você deve estar se perguntando o que levou a XDEX a optar por esse modelo de operação e a resposta tem a ver com os riscos de evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Se o usuário não pode usar o Bitcoin, esses potenciais riscos simplesmente não existem para a empresa. Na minha opinião, essa é a parte mais inteligente do negócio que está sendo proposto. Você oferece um ativo financeiro novo e sexy a um investidor com perfil agressivo e elimina qualquer risco de compliance.

Circuit Breaker

O documento de termos e condições também afirma que a XDEX poderá, em caso de oscilação brusca no preço do Bitcoin ou de outro ativo digital negociado, suspender o acesso ou utilização da plataforma por parte do usuário. Porém, não fica claro o que a empresa entende por oscilação brusca no preço.

Quem está há muito tempo nesse mercado sabe que o Bitcoin pode subir ou descer 10% ou mais em um único dia. Por isso, fico imaginando a possível situação de um usuário da XDEX sendo tolhido de exercer sua oportunidade de liquidar uma posição porque a plataforma está fechada devido ao acionamento do circuit breaker.

Manipulação de mercado

Não poderia deixar de mencionar a parte do já famigerado documento de termos e condições que afirma que a XDEX poderá figurar como contra-parte em quaisquer das transações realizadas pelos usuários. Em outro momento no mesmo documento, a empresa afirma que não tem qualquer ingerência no preço estabelecido pelos usuários e nas transações realizadas por eles na plataforma. Ora, se a XDEX pode ser contra-parte da operação, ela pode usar o poder econômico para formar o preço do ativo negociado.

Hard forks e airdrops

A XDEX também já avisa de antemão que não irá disponibilizar quaisquer ativos derivados de hard forks ou airdrops. Para quem não sabe, o Bitcoin Cash é um ativo derivado a partir de um hard fork realizado na rede do Bitcoin. Assim como este, dezenas de outros hard forks e airdrops (uma espécie de distribuição gratuita de ativos) ocorreram ao longo dos últimos meses. Portanto, se você estiver operando comprado em Bitcoin na XDEX, esqueça a possibilidade de receber esses ativos derivados da cadeia principal. Mas isso até que é um pouco óbvio, pois aparentemente você não terá acesso às chaves privadas relativas ao seu Bitcoin.

SPC, Serasa e limites de negociação

Um trecho que me chamou a atenção nos termos e condições tem a ver com a questão da definição de limites para operação de cada usuário. Aparentemente, a XDEX poderá consultar órgãos de avaliação de crédito para definir o quanto você poderá negociar na plataforma. Será que isso é um indicativo que a XDEX oferecerá produtos derivativos, como faz a BitMex, por exemplo? Vamos aguardar para ver.

Outras minúcias

Brevemente, gostaria de citar outros pontos que julgo interessante do documento de termos e condições, como por exemplo o fato de que apenas pessoas físicas poderão negociar na plataforma.

Além disso, o usuário estará sujeito a tarifas de depósito e saque em reais e também na execução das ordens de compra e venda. Contudo, essas tarifas ainda não foram divulgadas. Inicialmente, a empresa promete zerar as taxas de execução de ordem para as operações com Bitcoin.

Uma coisa que achei muito interessante é que a empresa promete suporte técnico disponível 24×7 via chat online e também por e-mail.

Por fim, no documento referente à política de privacidade, a XDEX afirma que o usuário ao aderir à plataforma autoriza a empresa a compartilhar os dados coletados, inclusive, com instituições financeiras parceiras da XDEX e também consente que estes dados poderão ser transferidos e armazenados em um destino fora do Brasil.

XP Investimentos é dona da XDEX?

Para finalizar essa análise sobre a XDEX, gostaria de abordar uma questão que tem dominado as redes sociais. Afinal, a XP Investimentos é dona ou não é da XDEX? Para quem não sabe, o jornal Valor Econômico publicou reportagem recente afirmando que os sócios da XP, na condição de pessoas físicas, é que são os verdadeiros investidores da XDEX, juntamente com um fundo de investimento chamado General Atlantic.

Contudo, uma consulta ao site da Receita Federal mostra que a XP Investimentos S/A é dona da XDEX, como podemos ver abaixo:

É curioso notar também que o capital social da XDEX, que de acordo com esta consulta acima, é de R$5 milhões foi aparentemente reduzido dos iniciais R$25 milhões como mostra captura de tela publicada em reportagem do site Portal do Bitcoin em abril de 2018. Veja abaixo:

O que isso quer dizer? Não sei ao certo. Talvez, com a saída efetiva da XP Investimentos, a XDEX tenha perdido um pouco de musculatura financeira.

Um importante fato concreto é que o banco Itaú, acionista da XP Investimentos, realmente não quis se envolver com essa iniciativa. Muita gente associa a XDEX ao Itaú, mas isso não faz sentido.

Barão
Allex Ferreira